Second Life
Valquírio era um homem absolutamente e extraordinariamente comum. Era uma síntese caricata e sem sabor de todos os estereótipos da média geométrica de um ser humano típico do sexo masculino. Em todos os aspectos, um ícone dos padrões. Se a humanidade fosse uma escala de cores, Valquírio seria o bege, uma criatura de existência neutra, uma pequena engrenagem entre bilhões de engrenagens semelhantes de uma complexa máquina chamada humanidade. Valquírio não era uma correia, ou uma polia, ou mesmo uma alavanca. Valquírio era a engrenagem bege e sobressalente entre as engrenagens mais comuns da sociedade.
Se, em alguma missão futura, a exemplo das sondas Voyager, a NASA pretendesse embalsamar um exemplar representativo da nossa espécie para que futuras civilizações alienígenas pudessem conhecer um humano típico, certamente Valquírio cumpriria essa meta com perfeição. Para todos os efeitos, Valquírio era um arquétipo. Um molde do homem médio. Um denominador comum da sociedade ocidental pós-industrial.
Mas o que poucos sabiam é que Valquírio tinha um talento oculto. Valquírio era capaz de transportar sua mente para um universo alternativo, onde ele era uma estrela do rock. Em suas viagens mentais, Valquírio percorria longas turnês pela Europa e América do Norte, com sua banda revolucionária. O seu pensamento o levava a uma plateia eufórica, que gritava e cantava suas canções. Neste universo, Valquírio era um nêmesis de sua existência física no mundo real. Ele podia cantar e dançar alucinadamente em shows de 2 ou 3 horas, dezenas de canções autorais que incendiavam o público, tudo sem se levantar da sua poltrona cor de vinho.
Não havia limites para o que Valquírio podia alcançar em suas viagens mentais. Impressionantes solos de guitarra, demonstrações de puro virtuosismo, arranjos espetaculares. Quando cantava, espantava a todos com suas notas agudas e sua voz potente e rasgada. Em seu universo mental, Valquírio era o homem mais desejado da terra. Em suas longas jornadas mentais, vez ou outra, Valquirio era arremessado ao mundo físico, com as ligações telefônicas de uma operadora tentando lhe vender um upgrade no seu plano de internet, mas rapidamente se reconectava ao seu alter-ego. Até que o dia raiasse e ele fosse despertado para mais um ciclo de sua vida repetitiva e plana.
E todos os dias ele dividia sua existência, com 12 horas dedicadas à sua humanidade monótona e 12 horas vivendo suas loucas aventuras de uma estrela do rock. Um não sabia da existência do outro. Ambas as realidades existiam no mesmo homem.