O Inferno de Nietszche
A mais perturbadora provocação feita por Nietzsche é, sem dúvida, sua alegoria do Inferno.
Nietzsche concebe o céu e o inferno não como lugares distintos, mas como uma mesma realidade: a vida que vivemos e escolhemos aqui e agora, a única existência que conheceremos. Para intensificar essa ideia, ele introduziu o conceito do "eterno retorno". Imagine ter que viver todas as suas escolhas repetidamente pela eternidade, infinitas vezes fazendo as mesmas escolhas, comendo as mesmas refeições, amando e odiando as mesmas pessoas, dedicando seus minutos aos mesmos assuntos, e vivenciando as mesmas rotinas, dia após dia. Se tivesse a certeza de que suas escolhas determinariam sua eternidade, você faria todas as mesmas escolhas? Pronunciaria todas as palavras que já disse? Gastaria seu tempo exatamente como gastou?
Nossa mente, frequentemente marcada pelo pessimismo e cinismo — traços característicos de nossa era — pode perceber o eterno retorno somente como um inferno, um reflexo sintomático das escolhas que fazemos para nossas vidas. Contudo, essa mesma noção pode ser interpretada como o céu. Na verdade, temos a possibilidade de viver o céu hoje mesmo, mediante as escolhas e ações (ou a ausência delas) que tomamos após uma simples reflexão: Eu desejaria que esta escolha se repetisse para sempre, dia após dia? Eu gostaria de amar a pessoa ao meu lado por toda a eternidade? Eu escolheria ferir ou magoar alguém que magoei hoje repetidamente, ao longo da eternidade? Eu aceitaria me privar da felicidade que posterguei hoje por tempo infinito?
Esta simples perspectiva ergue um imenso sinal de alerta diante de nós: estamos vivendo a vida em sua máxima potência? Estamos realmente empenhados na busca de nossas aspirações? Mas não se trata apenas das grandes decisões. Até as escolhas que consideramos banais, sob o olhar do eterno retorno, adquirem um peso significativo. Um atalho indevido, aquele limite ético que ultrapassei por breves momentos, uma palavra áspera — tudo isso, quando projetado ao infinito, torna-se demasiadamente importante para ser ignorado.
A ideia do eterno retorno de Nietzsche destaca que cada momento da existência é infinito e de imensa importância. Isto nos ensina que devemos ter um senso de urgência em relação a tudo o que escolhemos fazer: nada é tão banal que possa ser desconsiderado. Esta perspectiva não é moldada pela existência de um céu ou inferno, mas sim pela realidade de que eles não existem. Estamos já vivendo nosso eterno retorno, de forma decisiva e final. Que vida você deseja que seja repetida em sua infinita plenitude?