A inércia da decisão
A vida busca sempre um caminho. Os caminhos levam a destinos ou passagens que abrem mais caminhos. Às vezes, o destino é uma viagem de trem, desbravando o abismo entre dois pontos. Essa viagem começa muito antes da decisão de partir e de buscar. E essa decisão não é só do viajante. Pensa-se, planeja-se, compra-se o bilhete e espera-se a hora marcada. Na manhã da viagem, o maquinista acordou cedo, tomou seu desjejum, leu as manchetes do jornal, vestiu-se e partiu para a estação. Pegou sua bicicleta e seguiu por um atalho pelo bosque para não chegar atrasado. Esse atalho foi demarcado pelas decisões aleatórias de milhares de pessoas que pegaram o mesmo atalho, formando o caminho que ali se delineava, escavado pelos pés e rodas de seus transeuntes. O maquinista chegou à estação, bateu seu ponto, dirigiu-se à locomotiva. Sentou-se em sua cabine, verificou os instrumentos e pôs-se a trabalhar. Nossa viagem, há tanto planejada, encontra-se em sua inflexão: o ponto de não-retorno. Nós, os viajantes, nos dirigimos à plataforma ao tocar do sino, entregamos o bilhete que compramos há vários dias, acomodamos a bagagem e nos sentamos à janela. A locomotiva entra em movimento, o torque do motor, com grande esforço, faz girar a roda uma, duas, três vezes, e o peso da locomotiva começa a se tornar mais leve, permitindo que ela se mova de forma persistente e contínua, acelerando continuamente sua marcha inexorável em um trilho construído décadas antes. O trilho conecta distâncias em sinapses de vida, fluindo e conectando pessoas, riquezas, bens, segredos e planos, abrindo caminhos e abrindo terreno onde havia caos, desordem e incoerência. Literalmente, bilhões de pequenas decisões de um número incontável de pessoas cooperaram para colocar o trem em marcha e para que nossa viagem se realizasse exatamente ali, naquele momento e naquele caminho.
Existe nas decisões algo de fatídico, algo pré-concebível, algo de inevitável. O tempo constrói os canais que delimitam nossas escolhas. O tempo cria os caminhos que decidimos percorrer. E decidir é, na verdade, algo que fazemos para reforçar as escolhas que o tempo faz, em meio ao caos e à entropia de tudo o que acontece sob o seu manto. O tempo, em última instância, é o senhor das escolhas e das decisões. Ele nos dá o livre-arbítrio de decidir o que ele já decidiu por nós. Ele nos dá a liberdade de escolher o que ele já escolheu. Porque decisão e escolha não existem fora do alcance do tempo.
A locomotiva é uma metáfora apropriada para o poder escultor do tempo. Colocá-la em marcha, ou conter seu avanço, não são decisões que acontecem de maneira instantânea. Como Sísifo, nos vemos retendo, contendo e nos opondo ao peso desta locomotiva, apenas para vê-la ignorar nossos esforços heróicos e pôr-se em marcha, seguindo a inclinação dos trilhos que se nivelam aos aclives e declives do caminho. No final, podemos ter a ilusão de que nós decidimos viajar porque compramos o bilhete. Mas nossa viagem foi decidida no dia em que se fixaram os trilhos, no dia em que se abriu espaço na vegetação, no dia em que se marcou a trilha do atalho entre a casa do maquinista e a estação, no dia em que os primeiros pioneiros assentaram sua moradia nas cidades conectadas pelos trilhos. E por trás de todas essas infinitas decisões, está o firme propósito do tempo de revelar e ocultar, de lembrar e esquecer, de existir e desvanecer, de se formar e desmanchar.