Grafite
Uma página em branco, uma nova chance. Um dia, uma hora, um ano, uma vida. Um segundo, uma página. Aponte o lápis, aproxime o candelabro, coloque os óculos, alongue os dedos e comece a deslizar o grafite na folha branca: uma letra, outra letra, uma serifa, uma vírgula. Páginas e páginas vão sendo escritas. Depois de algumas páginas, as novas folhas já não estão tão lisas; os sulcos escavados pelas palavras do passado deixam canais viciosos, rompem a reta e distorcem as letras. Distração, e o grafite se quebra; um garrancho encerra abruptamente uma sentença, rasga a folha e deixa uma marca escura na próxima página. Algo o interrompe: você ouve o telefone, precisa anotar um número, escreve na margem da folha rota uma nota cinzenta, atravessada, itálica... O raciocínio se perde; você desenha uma flor, um jogo da velha, um labirinto... e logo a narrativa se dissolve em meio às distrações e devaneios. O tempo acabou; aquela folha é arrancada do caderno, junto com todas as outras que a antecederam, e são amassadas, espremidas, rasgadas. E aquela ideia vai parar no lixo da cozinha, entre as cascas de uma banana e um resto de feijão que estava guardado num pote de sorvete na sua geladeira há duas semanas. Não há mais tempo para escrever, você tem que dormir, está tarde.