Ravel
Notas que soam líquidas, moles, viscosas. Fugidias e insinuantes, despudoradas.
Acordes e arpejos escorrendo entre os dedos. Atonais, cromáticos e imprevisíveis.
Uma fina película recobre os tímpanos, que não comportam o silêncio, as pausas, os intervalos. Até o silêncio ressoa.
Harmonias turvas, como água barrenta... As ondulações de uma corda que vibra.
Vibra como o mar, o repuxo arrasta meus pés, que resistem enterrados na areia.
Uma nota persistente faz uma âncora que se fixa sem dissipar suas ondas: obstinada, teimosa.
Assim soa Ravel em minha alma. Consoante, orgânico, dissonante. Como o leito de um córrego, sinuoso e ajustado ao terreno árido de minha vida.