Pelos nossos filhos

Um bom pai deseja, acima de tudo, a felicidade de seus filhos. E, comprometido com esse ideal, fará sacrifícios. Abrirá mão de seus desejos, de seu conforto, perderá noites de sono, trabalhará em dobro. Fará tudo o que for preciso para que seus filhos tenham a maior chance de serem felizes, mesmo que a felicidade, neste mundo, seja um alvo móvel, um fetiche inatingível, um troféu reservado aos poucos que sobrevivem à arena competitiva onde todos são treinados para devorar e serem devorados.

Por amor, buscamos garantir vantagens. Inscrevemos nossos filhos na corrida. Empurramos. Protegemos. Cortamos caminho. Alguns fazem isso com mais elegância moral, outros com mais ferocidade. Ovelhas e leões constroem as vantagens possíveis para sua prole: uns ensinando que a segurança do emprego é mais importante que o respeito próprio; outros pregando que há os que nascem para mandar e os que nascem para servir. Uns exigem gratidão pelo sofrimento de cada dia. Outros ensinam a manter distância para tomar as “decisões difíceis” - difíceis, quase sempre, apenas para os outros. Mas quase todos, até os mais éticos entre nós, sucumbem em algum grau à lógica do privilégio e da autopreservação, sempre ao custo do outro, sempre obedecendo às regras injustas da corrida.

Chamamos isso de amor. Amor de pai. Amor de mãe. Amor de irmão. Justificamos nossos desvios e pequenas corrupções com o sagrado instinto de proteger a cria. Dizemos com orgulho: por nossos filhos morreríamos e mataríamos.

E quando vencemos (os poucos que vencem de fato e os muitos que apenas acreditam ter vencido) quando conseguimos que nossos filhos cheguem ao pódio, não raro encontramos diante de nós apenas cascas: profissionais impecáveis, bem ajustados, funcionais. Mas frios. Ansiosos. Impessoais. Infelizes. Desesperados. Niilistas - no sentido histórico, mas também no sentido nietzschiano: sem chão, sem porquê, repetindo a dança do eterno retorno sem vontade de potência.

Reproduzindo com os seus pequenos os mesmos rituais de conquista e autopreservação que herdaram dos nossos.

Porque esse é o script. A programação. A própria ideia de amor parental foi pervertida por uma sociedade construída sobre escassez, competição e prestígio. Um amor que prepara para vencer - e, portanto, para perpetuar as estruturas da derrota alheia.

Mas e se o amor de um pai fosse outra coisa?

E se amar um filho significasse prepará-lo para resistir ao mundo - não para vencê-lo?

E se significasse ensinar-lhe liberdade, pensamento crítico, empatia radical?

E se amar fosse dar menos ferramentas para conquistar o topo - e mais força para permanecer inteiro fora da pirâmide?

Talvez, nesse outro amor, nossos filhos não recebam troféus.

Mas talvez - só talvez - sejam capazes de não se tornarem carrascos para não virarem vítimas.

Talvez, nesse amor, o maior legado não seja a vitória - mas a recusa em participar do jogo.

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