Propósitos

​A obra de engano mais magistral: quando convenceram as pessoas a encontrar propósitos em seu labor. É a distração absoluta, e foi esse engodo que permitiu que o mundo se tornasse um império de feudos de corporações, repartido em capitanias hereditárias com CNPJ e CEOs com a profundidade de um pires. Além de esteticamente deplorável, esse mundo de propósitos forjados por grandes consultorias é distópico, triste, vazio e causa de profundos males existenciais: nossa mente nos sobrecarrega com culpa, ansiedade, depressão e todos os males de uma sociedade do cansaço (o cansaço de uma vida de propósitos falsos e de ambições medíocres — não é fácil sustentar a fadiga de uma mentira contada para si mesmo e reforçada subliminarmente por toda a sociedade à nossa volta).
​Nosso corpo, nossos instintos, em seu íntimo, perceberam o engodo. Mas estão impotentes, pois não há existência prática possível fora deste sistema de opressão. É preciso, para viver com um pouco de dignidade, uma certa rebeldia intelectual, um despertar dessa síndrome de Estocolmo; mas é preciso um despertar realista — estar sob o cativeiro da loucura imposta, consciente de que não há propósitos, não há verdade naquilo tudo. Isso lhe dá o poder de manter sua sanidade mental. A revolta contra a grande mentira é a única forma de não viver pelos propósitos de uma sociedade vazia e sonâmbula. E essa consciência é o que o habilitará a fazer escolhas sensatas nas pequenas janelas de oportunidade de fuga que surgem sutilmente e se insinuam quando nos defrontamos com os poucos despertos que tocamos pelo caminho.

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